Agendas de sistemas alimentares nas cidades — Entrevista com Juliana Tângari

As políticas públicas nas cidades são fundamentais para a transformação dos sistemas alimentares, por seu potencial de capilarização, interconexão e proximidade com o cotidiano da população. A partir desse entendimento, o Instituto Comida do Amanhã desenvolveu o Luppa — Laboratório urbano de políticas públicas alimentares, plataforma colaborativa para facilitar a construção de políticas alimentares municipais integradas, participativas e com abordagem sistêmica.
Considerando a experiência no contexto das eleições municipais, o Ibirapitanga entrevistou Juliana Tângari, diretora do Instituto Comida do Amanhã, sobre os aprendizados da organização no tema.
Juliana Tângari é co-fundadora e diretora do Instituto Comida do Amanhã. É advogada, com especializações em Direito pela Universidade de Camerino, na Itália, pela Organização dos Estados Americanos, pela European University Institute, e pela The Hague Academy of International Law. Foi presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio de Janeiro de 2016 a 2018 e membro da rede de Champions da Cúpula da ONU sobre Sistemas Alimentares em 2021. Atualmente, é especialista convidada no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.
Nesta entrevista Juliana traz a visão do Instituto Comida do Amanhã sobre o atual ciclo de eleições municipais e outras perspectivas sobre a agenda de sistemas alimentares nas cidades.
Ibirapitanga: Este ano o Comida do Amanhã lançou alguns conteúdos que tratam das políticas alimentares na cidade e informam as eleições, como o artigo “Eleições municipais e sistemas alimentares no centro da agenda municipal” e a “Agenda sobre políticas alimentares para candidatas e candidatos aos governos municipais”. Quais são as mensagens que vocês consideram mais centrais para as candidaturas nestas eleições municipais?
Juliana Tângari: Nosso primeiro objetivo é bem singelo e ao mesmo tempo ousado: colocar a agenda dos sistemas alimentares no terreno dos compromissos políticos municipais. Essa acaba sendo uma agenda levada pelos técnicos para os mandatários políticos no curso dos governos, mas que dificilmente vem de um compromisso político prévio com a pauta. A gente até enxerga uma menção ou outra a recortes dessa agenda, como combate à fome, ou o apoio à agricultura local, principalmente em municípios mais rurais. No entanto, ainda estamos longe de uma agenda integrada e abrangente de diversos temas interconectados no cenário político das cidades brasileiras — de programas de combate à pobreza a programas de tratamento de resíduos.
Dito isso, nossas principais mensagens são três. Uma delas é que essa é uma agenda urgente e relevantíssima para o nível municipal, seja para o cenário urbano ou rural, que pode e deve ser pautada pelos governos municipais. Outra é a afirmação de uma agenda ampla, com diversas temáticas interconectadas, que precisam ser endereçadas com coerência. E uma terceira coloca a alimentação como agenda de desenvolvimento territorial sustentável e de progresso social para o território.
Ibirapitanga: Ainda considerando os mesmos conteúdos, mas pensando nos eleitores, quais as principais mensagens para esse público?
Juliana Tângari: O nosso material foi pensado mais para candidatas/os que eleitores, porque para o público em geral a gente tem excelentes orientações que costumam vir de outros parceiros, como a Aliança para a Alimentação Saudável e Adequada. De todo modo, podemos dizer que para quem vai votar, a mensagem é: você tem direito a acessar uma alimentação saudável e segura e existe um dever de todos os níveis de governo para garantir isso. Se essa agenda não entrar no compromisso de candidaturas, ela dificilmente vai receber recursos financeiros e humanos necessários para o seu bom desempenho. Garantir o direito à alimentação não é apenas agir em momentos de emergência, tampouco conceder “benesses” — é estruturar uma série de políticas e programas que entregam resultados em curto, médio e longo prazos.
Ibirapitanga: A atuação para a transformação dos sistemas alimentares nas cidades é uma das importantes experiências que o Comida do Amanhã oferece para o campo, tendo o Luppa — Laboratório urbano de políticas públicas alimentares como iniciativa exemplar nesse tema. Quais os principais aprendizados que o Luppa trouxe para o pensamento da organização em torno das políticas alimentares? Eles também alimentam os conteúdos focados em eleições que vocês vêm trabalhando? Como?
Juliana Tângari: Com certeza! Todas as orientações que damos a gestores públicos e a lideranças políticas são frutos do que coletamos no trabalho do Luppa, na experiência de 18 anos do Sisan — Sistema nacional de segurança alimentar e nutricional e de tudo o que já se produziu pelas organizações da sociedade civil que atuam nessa área.
Um grande aprendizado que atuar com a implementação de políticas públicas nas cidades vem nos mostrando há anos — e todos os estudos de casos de que participamos confirmam — é que o sucesso de políticas transversais como as de sistemas alimentares depende de institucionalidades bem estabelecidas, de ampliação de capacidades por equipes técnicas e do apoio político de mandatários, agregado a uma constante participação da comunidade, da população. É uma construção que depende de pessoas, mas que só se torna sustentável no tempo se ultrapassar a vontade de um ou outro agente. E ganhar a institucionalidade traz a continuidade ininterrupta e, consequentemente, a apropriação da política alimentar pela população beneficiária, que por sua vez traz legitimidade e perenidade a essa política. O que a gente faz no Luppa, no fundo, é tentar tangenciar esse lugar, onde a cultura de gestão pode ser transformada e institucionalidades criadas e consolidadas.
Ibirapitanga: A partir da atuação próxima a cidades que o trabalho do Comida do Amanhã tem, o que foi aprendido com o passado das políticas alimentares, em termos de desenho e implementação. Quais são os desafios para o futuro?
Juliana Tângari: A implementação das políticas depende sempre da sensibilização e da dedicação da gestão local. Por melhor que seja o desenho e a arquitetura no âmbito estadual ou federal, toda política social depende de amarração com as necessidades do território, as demandas da população e as oportunidades existentes. Depende das capacidades estatais do município, em termos de formação técnica e constituição de equipes, mas também de equipamentos públicos, de integração de dados e de capacidade de resposta e adaptação da gestão pública. Depende da compreensão da finalidade maior da política pelo corpo técnico e verdadeira vontade política. Alguns chamam de necessidade de sensibilização, eu gosto de descrever como necessidade de gerar empatia pela política alimentar. E vontade política se traduz em orçamento, em alocação de equipe, em priorização de agenda, em trazer para o discurso da liderança política as narrativas da agenda da alimentação.
Como a gente diz no Luppa: a comida precisa estar no centro do planejamento municipal. Se não é assim, seguimos com respostas fragmentadas, incoerentes, que não aproveitam as sinergias geradas pelo planejamento integrado, e que de fato não buscam garantir o direito à alimentação. É preciso orientar a execução de todas as ações, programas e planos da agenda alimentar para os direitos das pessoas, ter diálogo aberto e construção coletiva para permitir que “novos” desafios sejam enxergados, que “velhos” desafios sejam encarados, que “novas” soluções seja testadas, mas também que “velhas” soluções sejam retomadas. Abrir as portas da administração para a construção coletiva permite que a inovação aconteça.
Ibirapitanga: Vocês conseguiram acompanhar como as candidaturas estão tratando o tema da alimentação esse ano? Numa visão geral, quais foram as abordagens, quando elas existiram? Há pontos negativos ou positivos?
Juliana Tângari: Sim, acompanhamos e, no geral, nossa equipe observou que algumas candidaturas deste ano abordaram o tema da alimentação de certas maneiras, voltadas para:
- Segurança alimentar: Muitas/os candidatas/os destacaram a importância de garantir que todos tenham acesso a alimentos nutritivos, especialmente em comunidades vulnerabilizadas. Propostas incluíram o fortalecimento de programas de assistência alimentar e a criação de redes de distribuição de alimentos.
- Educação alimentar: Destacamos campanhas com foco na educação alimentar e na promoção de dietas saudáveis. Algumas propostas trataram da inclusão de educação nutricional nas escolas e da regulamentação da publicidade de alimentos ultraprocessados.
- Feiras Locais: O apoio a feiras de produtores locais e à agricultura familiar foi uma pauta comum, valorizando a economia local e incentivando o consumo de produtos sazonais.
Como pontos negativos que envolveram as propostas, houve falta de clareza e aprofundamento das mesmas, onde algumas candidaturas trazem promessas muito amplas sem um caminho concreto. Outro ponto é a possível desconexão com a realidade local, onde as propostas não consideraram as particularidades e a cultura alimentar de cada região. Esses pontos podem limitar a eficiência dessas propostas.