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O paradoxal Brasil retratado no Estudo sobre a cadeia de alimentos

Sistemas alimentares
30.10.2020

Pensar e promover a transformação do sistema alimentar brasileiro requer esforços de múltiplas dimensões. Um ponto de partida fundamental é a produção e análise de dados que informem estratégias e tomada de decisão nas diferentes esferas implicadas na questão alimentar.

Com este intuito, em de 2019, o Imaflora – Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola apostou em uma importante iniciativa voltada a investigar parte considerável do funcionamento do sistema alimentar brasileiro – “Geografia da produção de alimentos no Brasil”. Apoiado por Instituto Ibirapitanga e Instituto Clima e Sociedade, o objetivo final do deste projeto de pesquisa é produzir uma análise, prevista para ser concluída em 2021, a respeito da geografia da produção de alimentos, organizando informações sobre as culturas cultivadas, sua produção, produtividade, valor e perfil de produtor.

Em 2020, o primeiro componente do projeto foi desenvolvido e acaba de ter seus resultados apresentados – uma análise sobre a cadeia de distribuição de alimentos no Brasil do campo ao prato. Trata-se do relatório “Estudo sobre a cadeia de alimentos”, produzido por Walter Belik, em parceria com o Imaflora, que articula, sobretudo, dados da POF Pesquisa de Orçamento Familiar 2017-2018, realizada pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e divulgada em 2020.

“O estudo trabalhou com dados oficiais e de associações, no sentido de compor um olhar geral sobre o sistema alimentar no Brasil, para trazer informações atualizadas para políticas públicas, no sentido de reverter esse quadro tão perverso que vivemos hoje”, diz o autor Walter Belik.

Os achados principais do Estudo chamam atenção para a profunda desigualdade alimentar no Brasil. As despesas com alimentação das famílias mais ricas são 165,5% maior do que a renda total das famílias mais pobres no país. Entre os pontos centrais levantados pelo relatório, está a análise do comportamento alimentar de acordo com o poder aquisitivo da família brasileira. Enquanto nas famílias mais ricas o gasto médio mensal com alimentação representa apenas 5% da renda total, entre as famílias mais pobres, a comida tem um peso enorme: mais de um quarto (26%) da renda mensal é direcionada à alimentação. O estudo revela ainda que, quando a renda familiar aumenta, o consumo de arroz e feijão diminui e o da carne sobe.

O consumo desses três alimentos também está presente nos dados que apontam a monotonia na dieta brasileira. De Norte a Sul do Brasil, 10 produtos concentram mais de 45% do consumo alimentar, sendo eles arroz, feijão, pão francês, carne bovina, frango, banana, leite, refrigerantes, cervejas e açúcar cristal.

O documento síntese do relatório Um retrato do sistema alimentar brasileiro e suas contradições” – organiza esses e outros importantes resultados da análise do estudo em 10 pontos, incluindo dados recém-lançados do IBGE na EBIA Escala Brasileira de Insegurança Alimentar. De acordo com a escala, 84,8 milhões de brasileiros vivenciam algum grau de insegurança alimentar.

Não por acaso, diante da desigualdade alimentar, o significado de comer fora é bastante diferente para as duas situações financeiras: enquanto para as famílias mais ricas comer fora representa lazer, para as de renda mais baixa significa uma necessidade, pois dependem de alimentação escolar e refeições coletivas nos locais de trabalho. Os recursos de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, são mais significativos (representando 25,7% do total da renda) nas famílias com insegurança alimentar grave. Esse retrato revela que, embora contribua para a renda familiar, os recursos dos programas ainda são insuficientes para garantir alimentação adequada e saudável a uma expressiva parcela da população. Nesse sentido, os dados do estudo proporcionam reflexão sobre o papel das políticas públicas e da doação de alimentos no combate à fome, que podem servir de base à reversão do triste quadro de volta ao Mapa da Fome em que o Brasil se encontra.

Paradoxalmente, de acordo com o relatório, os índices de obesidade estão aumentando, fenômeno também observado no caso de crianças e jovens. O Estudo aponta para uma “tempestade perfeita” cujo efeito dos impactos no quadro econômico a partir da pandemia de Covid-19 reverbera na diminuição do investimento público em áreas sociais e, consequentemente, no aumento da insegurança alimentar num contexto de exacerbação do consumo de alimentos hipercalóricos, sódio e produtos de origem animal, representados por pelo menos um ítem entre os 10 produtos que cristalizam a monotonia da dieta brasileira.

Para além das consequências à saúde, à ocupação do território e do meio ambiente também são impactadas de forma intensamente negativa pelo modelo de sistema alimentar operado majoritariamente no país. A produção de conhecimento à respeito dessa realidade, representa, por um lado uma abertura de importantes brechas à transmissão de conhecimento, sobre o tema, ainda muito bloqueado pela falta de incentivo à produção de dados pelo setor público. Por outro, oferece à sociedade civil ferramentas à construção de bases para a ação mais fortalecida, orientada ao monumental desafio de transformação  dos sistemas alimentares no Brasil.

O lançamento do relatório “Estudo sobre a cadeia de alimentos” e seu documento síntese, “Um retrato do sistema alimentar brasileiro e suas contradições”, aconteceu na semana do Dia Mundial da Alimentação, celebrado no dia 16 de outubro, e contou com sua apresentação pelo autor, Walter Belik, seguido de diálogo com José Graziano da Silva e Semíramis Domene, mediado por Marina Yamaoka.

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