O agro quer tudo. E o jornalismo da Repórter Brasil pode provar

Dimensão substancial do modelo atual dos sistemas alimentares, a operação de setores hegemônicos do agronegócio coleciona um conjunto de práticas nocivas que vão desde dinâmicas desiguais e devastadoras no uso de recursos naturais e financeiros a violações de direitos humanos, em especial de povos tradicionais e trabalhadores do campo.
Essa realidade, no entanto, tem sido mascarada e, assim, permitida, por um alto investimento em estratégias narrativas e políticas profundamente permeadas por conflitos entre interesses públicos e privados, que pintam “o agro” como fonte de orgulho nacional.
Tocar e expor essa ferida requer estimular experiências de comunicação capazes de incidir no debate público, oferecendo insumos para o controle social sobre políticas conectadas à questão alimentar e outras ferramentas de regulação neste campo.
Com ampla bagagem nessa área, a Repórter Brasil produz pesquisas e materiais jornalísticos para identificar e tornar públicas situações que ferem direitos trabalhistas e causam danos socioambientais no Brasil, voltando-se à mobilização de lideranças sociais, políticas e econômicas.
Pesquisa e jornalismo em defesa de melhores relações trabalhistas e socioambientais
Criada em 2001, a Repórter Brasil se consolidou como uma das mais importantes fontes de informação e mobilização de atores sobre trabalho escravo no país. O trabalho de pesquisa do veículo colaborou para a criação de alguns acordos importantes, como o Pacto nacional pela erradicação do trabalho escravo e a Moratória da soja. A metodologia de pesquisa da Repórter Brasil tornou-se referência, com relatórios distribuídos em mais de 15 países, o que possibilitou que ela passasse a ser adotada internacionalmente.
Na frente de jornalismo da Repórter Brasil, a republicação por outros veículos, como Folha de S. Paulo, Uol, El País Brasil, Mongabay e The Guardian, viabiliza a ampliação de alcance das denúncias. A Repórter Brasil tem também uma larga experiência na produção de documentários jornalísticos e especiais multimídias, muitos reconhecidos em premiações.
Na última década, a Repórter Brasil expandiu seu escopo temático de atuação e passou a ser referenciada nacional e internacionalmente nas coberturas de violações socioambientais, a exemplo de abordagens sobre os impactos de grandes obras e da indústria extrativista, grandes empresas do agronegócio, comunidades tradicionais, desmatamento, reforma agrária, violência no campo, lobby com políticos eleitos, entre outros.
Por trás do alimento, a febre ruralista
No contexto de expansão para os temas socioambientais, a Repórter Brasil conduziu, em parceria com a Agência Pública, a iniciativa Por trás do alimento, cobertura jornalística dedicada ao tema dos agrotóxicos, que contou com dois ciclos de apoio do Ibirapitanga. Entre os temas noticiosos da cobertura estão as movimentações do PL do Veneno, matérias sobre comunidades atingidas pela contaminação de agrotóxicos, decisões relevantes da Justiça e a contínua política de liberação de novos produtos agrotóxicos pelo governo Bolsonaro. O projeto teve também como um de seus grandes destaques de audiência, repercussão e impacto em decisões judiciais o Mapa da Água, em maio de 2022. O mapa foi realizado a partir de uma parceria de investigação entre a Repórter Brasil, Public Eye e Agência Pública, com dados do Sisagua — Sistema de informação de vigilância da qualidade da água para consumo humano, do Ministério da Saúde. A ferramenta informa o número de agrotóxicos na água por cidade e a concentração dessas substâncias, medida em microgramas por litro. Como resultado direto da pressão provocada pela repercussão, foram promovidas audiências públicas e requisições de autoridades que demandaram providências aos órgãos responsáveis pela fiscalização da qualidade da água.
Com o avanço da iniciativa Por trás do alimento, a Repórter Brasil e a Agência Pública fortaleceram o foco da produção em reportagens sobre irregularidades e ilegalidades cometidas por governos e empresas a respeito da autorização, venda, uso e aplicação de agrotóxicos no Brasil. Um dos exemplos no trabalho com esse foco são as denúncias sobre a pulverização aérea que expôs falhas na fiscalização de drones que operam esse processo e denunciou pela primeira vez os nomes dos químicos cancerígenos que são jogados de avião em algumas regiões do estado de São Paulo. Outro tema que exemplifica esse trabalho foi a abordagem sobre a geopolítica do veneno, com a reportagem “Banidos na Europa, feitos na China e usados na soja: os agrotóxicos aprovados por Bolsonaro”, um levantamento que demonstra como o governo Bolsonaro facilitou a ampliação dos fabricantes chineses no mercado brasileiro.
No último biênio da parceria sobre agrotóxicos, 2021 e 2022, os resultados gerais acumularam mais de 726 mil usuários únicos nos sites dos dois veículos, mais de 1.200 republicações e engajamento em mídias sociais de mais de 370 mil contas.
Para além da atuação na iniciativa Por trás do alimento, que gerou uma série de conteúdos de impacto em torno da regulação dos agrotóxicos no país, a Repórter Brasil conduziu outras pesquisas e abordagens jornalísticas no campo da alimentação incidindo no debate público sobre o agronegócio de forma a pautar inclusive as eleições. Esse foi o caso do Ruralômetro, ferramenta que mede a atuação dos deputados federais no período 2019-2022 em temas como meio ambiente, indígenas e trabalhadores rurais. De acordo com o site do termômetro, “quanto mais alta a temperatura, maior a boiada que o parlamentar deixou passar”.
Os pingos nos is e os nomes aos bois: o agro quer tudo
A atuação dos últimos anos da Repórter Brasil contribuiu para o acúmulo e aprofundamento da experiência de incidência no debate público da organização que há duas décadas denuncia violações socioambientais e de direitos trabalhistas por empresas, que se conectam também com a questão alimentar. Evoluindo para o trabalho que articula as violações por empresas ao lobby junto a governos e agências reguladoras, especialmente num cenário onde se consolidou uma bancada ruralista aliada à indústria alimentícia, todos os caminhos levaram a Repórter Brasil a uma demanda de cobertura mais aprofundada sobre conflitos de interesses.
Assim, nasceu a iniciativa do veículo sobre captura corporativa no sistema agroalimentar, apoiada pelo Ibirapitanga. O projeto está voltado a fortalecer o trabalho jornalístico da Repórter Brasil por meio da investigação, denúncia e monitoramento, com o objetivo de incidir no debate público sobre a disputa de forças contra os conflitos de interesses no setor agroalimentar. Nesta iniciativa, a Repórter Brasil expõe o modo como os grupos privados se associam para influenciar a política, a ciência e as mentes dos brasileiros, se articulando em três eixos: denúncia sobre conflitos de interesses dentro de selos e certificações; denúncia dos discursos e propostas legislativas que colidem frontalmente com a ciência e academia; publicações sobre a importância do acesso a dados pelos consumidores, academia e sociedade civil organizada para a promoção de conhecimento e monitoramento dos setores produtivos da alimentação.
O primeiro resultado dessa iniciativa é o lançamento da plataforma O agro quer tudo, que investiga e expõe como o agronegócio ocupa espaços nos governos, nas universidades, na sociedade civil organizada, no imaginário e na cultura da população brasileira.
Com um trabalho de excelência, da pesquisa ao conteúdo, a Repórter Brasil apresenta estratégias que posicionam o jornalismo em sua função de origem — o monitoramento dos poderes — para pressionar pelo avanço do controle dos interesses privados em favor dos interesses públicos, voltado ao equilíbrio de forças entre o setor produtivo, sociedade civil, academia e o Estado. E, assim, o veículo apresenta um dos caminhos necessários para o fortalecimento de abordagens narrativas num contexto em que a disputa política requer, cada vez mais, essa ampliação de capacidade.