Instituições de pesquisa fortalecem a luta pela equidade racial

A realidade socioeconômica brasileira demanda por ações concretas do Estado para enfrentar as expressivas desigualdades raciais no país. Para este propósito, as instituições de pesquisa têm desempenhado um papel importante na disseminação de resultados de pesquisas que balizam políticas públicas e também servem de base para diálogo e incidência política. Cada vez mais, a ciência expressa sua importância para as condições da vida humana, transpondo a atmosfera acadêmica para influenciar as questões sociais.
Em 2019, com apoio do Instituto Ibirapitanga e outras fundações parceiras, foi criado o AFRO — Núcleo de pesquisa, formação em raça, gênero e igualdade racial, no Cebrap/USP — Centro Brasileiro de Análise e Planejamento da Universidade de São Paulo. O AFRO surgiu para qualificar o debate público sobre questões raciais e fortalecer a agenda de direitos humanos e da democracia. Desde sua criação, a prioridade do núcleo está centrada na produção de pesquisa que amplie o diálogo com a sociedade civil, formadores de opinião e lideranças políticas e comunitárias, a partir de oficinas e eventos que priorizam a divulgação científica para fortalecer o espaço público do debate sobre a igualdade racial. A criação de um núcleo de pesquisa especificamente voltado à questões raciais dentro de uma das maiores e mais respeitadas organizações de pesquisa no país, o Cebrap, é um enorme feito para a agenda da equidade racial brasileira. O AFRO reúne pesquisadores de diferentes instituições de ensino e áreas do conhecimento, com alta produtividade acadêmica, tendo quase uma dezena de pesquisas ocorrendo simultaneamente com informações disponíveis no site do núcleo, além de diversos artigos publicados em periódicos acadêmicos, colunas, artigos em jornais e revistas, participações em podcasts, webinários e entrevistas. Em apenas um ano de atuação, o núcleo se consolidou como um dos principais pólos de produção de conhecimento sobre raça no Brasil.
Os pesquisadores associados ao AFRO produzem conhecimento sistemático nos mais diversos temas relacionados à população negra, desde história, memória e vozes do movimento negro, até a defesa de comunidades quilombolas, o combate ao genocídio, interseccionalidade de gênero e raça, entre outros. No contexto da pandemia de covid-19, o núcleo desenvolveu iniciativa para realizar sistematização, análise e divulgação de dados qualitativos e quantitativos sobre as desigualdades raciais antes, durante e após a pandemia. O AFRO realizou também uma parceria com o Nexo Jornal, para abordar a temática racial no projeto Nexo Políticas Públicas, plataforma de conteúdo acadêmico-jornalístico, com linguagem clara sobre os impactos das políticas públicas no Brasil. Além de colunas semanais, o AFRO produziu conteúdos para glossário, “perguntas que a ciência já respondeu sobre” e linhas do tempo de direitos.
No mesmo ano de sua fundação, o AFRO participou do II Seminário sobre Raça e Política, evento que reuniu especialistas de todas as regiões do país — de diferentes eixos temáticos — e proporcionou uma aproximação do núcleo com pesquisadores de iniciativas semelhantes, que ajudaram a pavimentar o caminho de pesquisa sobre políticas sociais para raça e gênero no Brasil, tais como o GEMMA — Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa.
O GEMAA é um núcleo de pesquisa do IESP/UERJ — Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e atua desde 2008 na produção de estudos sobre ação afirmativa, com área de atuação ampliada, para o desenvolvimento de investigações sobre a representação de raça e gênero na política, em diversas instituições e em mídias, como jornalismo, cinema, telenovelas, revistas e videogames.
Atualmente, o GEMAA desenvolve projetos de ações afirmativas em cursos de universidades federais e estaduais, incluindo pós graduação; análise de representatividade de raça e gênero nos veículos de comunicação brasileiros, bem como o mapeamento de equidade racial nas principais funções — direção, roteiro e elenco — da produção cinematográfica brasileira; e levantamento de dados em universidades brasileiras, para estimar e analisar as diferenças de desempenho entre alunos cotistas e não cotistas. As pesquisas do GEMAA são utilizadas e citadas como fontes em diversas iniciativas, e são mencionadas com alta frequência em veículos de comunicação de amplo alcance. No ano de 2020, o núcleo foi citado em 171 matérias jornalísticas, a exemplo das publicações em Ecoa/Uol, Folha de S. Paulo, e Nexo Jornal. O GEMAA iniciou o ano de 2021 alcançando veículos de amplo alcance ainda mais diversificados.
Com o apoio do Instituto Ibirapitanga, o grupo de estudos busca aumentar seu impacto ao consolidar novas frentes de pesquisas — como o acompanhamento da produção legislativa sobre equidade racial, levantamento das políticas de ação afirmativa nas universidades públicas brasileiras e nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Nas eleições de 2020, o núcleo se dedicou ao estudo de monitoramento das desigualdades raciais, ao mensurar o tempo do HGPE – Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral destinado a candidaturas pretas e pardas em 11 capitais brasileiras.
Por meio desta iniciativa, o GEMAA se consolidou como ator chave na pauta da representatividade racial na política institucional, através do acompanhamento das ações afirmativas raciais determinadas pelo TSE — Tribunal Superior Eleitoral. O projeto foi realizado em três etapas: (i) sistematização básica; (ii) avaliação de autoclassificação e heteroclassificação racial dos candidatos; (iii) monitoramento de tempo e decupagem de gravação do horário eleitoral. Os resultados apontaram a diferença em pontos percentuais entre a proporção de candidatos pretos e pardos e a proporção de tempo de TV dedicado a esses candidatos, por partido, em cada cidade.
As eleições de 2020 demarcaram a importância da representatividade racial na frágil democracia brasileira. A pandemia de covid-19 e a repercussão de casos de racismo no Brasil e no mundo aumentaram a demanda por debates qualificados sobre raça, desigualdades e políticas públicas. É fundamental trazer esta temática para o centro, de modo que haja cada vez mais materiais que balizem essas políticas, para uma real democracia — pautada na equidade racial. Núcleos como GEMAA e AFRO mostram que esforços de pesquisa aprofundados revelam a urgência — e a capacidade — de qualificação do debate público sobre questões raciais para o fortalecimento da agenda de direitos humanos, em especial no que diz respeito à justiça e à equidade racial e de gênero.