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A direção feminina e negra dos lugares de memória

Equidade racial
25.07.2024

O reconhecimento de lugares de memória, atos de recordação e o resgate da história afro-brasileira são fundamentais para o enfrentamento às desigualdades raciais. Parte desse processo é a celebração da memória negra e a centralização, no entendimento da história do país, do papel que pessoas africanas e sua descendência tiveram, e ainda têm, na construção das bases culturais, sociais, políticas e econômicas da sociedade brasileira. Dessa forma, reconfigurar as relações raciais no Brasil passa, necessariamente, pela retomada e valorização da memória, história e pensamento negros.

A arquivologia, museologia e toda a área de preservação dos patrimônios culturais no Brasil estão majoritariamente estruturadas a partir de uma lógica colonial, de sub-representação do legado africano, afro-brasileiro e indígena. Embora no contexto nacional possamos identificar importantes equipamentos e lugares de memória negra, a coordenação do poder público federal neste campo é historicamente incipiente.

Diante desses desafios, iniciativas voltadas à ampliação e fortalecimento de lugares de memória negra, como acervos e espaços museais, passaram a emergir nos últimos anos de forma mais proeminente. Na dianteira desse processo, há uma forte e articulada presença de lideranças femininas e negras, como é o caso de três organizações apoiadas pelo Instituto Ibirapitanga — Casa Sueli Carneiro (SP), Muhcab (RJ) — Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira e Muncab (BA) — Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira. Conheça a seguir, cada organização e entenda como a liderança de mulheres negras está fomentando seu avanço. 

Casa Sueli Carneiro 

Para Ionara Lourenço, Coordenadora de Acervos da Casa Sueli Carneiro, “a liderança de mulheres negras é essencial na criação de espaços de preservação e conservação de acervos pessoais e institucionais, abrangendo memória em campos como história, arquivologia e arte”. Ionara ressalta ainda que “elas trazem perspectivas únicas, organizando e disseminando projetos de difusão e educação, além de serem inspiração para futuras gerações de meninas negras”.

Essa reflexão tem como exemplo notável a própria Casa Sueli Carneiro. Partindo da trajetória e adotando o nome da intelectual-ativista, filósofa, escritora e liderança do movimento social negro brasileiro, a Casa Sueli Carneiro é uma iniciativa voltada a expandir a conexão com outras organizações que atuam no fortalecimento da memória da diáspora negra, no Brasil e na América Latina. 

Na cidade de São Paulo, a organização ocupa a construção onde Sueli Carneiro viveu por 40 anos, espaço que também foi abrigo informal para inúmeros encontros do movimento negro e do movimento de mulheres negras. Atualmente, a Casa abriga expressões e linguagens orientadas pelos legados de Sueli Carneiro, acolhendo produção, ativismo e pensamento negros; sistematizando reflexões, expressões e experiência; bem como ampliando a visibilidade e a abrangência do fazer ativista-intelectual negro no Brasil, nacional e internacionalmente.

No atual ciclo, a organização conduz, com apoio do Ibirapitanga, a iniciativa “Casa Sueli Carneiro aberta”, voltada a disponibilizar o acervo físico e programação ao público com atividades formativas, reflexivas e de produção de conhecimento. A partir da iniciativa, a Casa Sueli Carneiro se voltou à estruturação de seu eixo educativo, ao fortalecimento do vínculo territorial e com a comunidade do entorno a partir da memória negra, e à sistematização da metodologia de organização e disseminação de documentos da Casa, disponibilizando-a para organizações que queiram implementá-la entre outras ações.

Dessas três frentes de atuação, resultou uma diversidade de ações que vem consolidando a existência da Casa profundamente vinculada a seu propósito. Uma das expressões mais concretas, conectada ao sentido de fortalecimento junto a outras organizações que a Casa Sueli Carneiro tem, é o mapeamento Constelações da Memória Negra, que reúne iniciativas dedicadas a garantir o direito à memória no campo da arte, do ativismo, da educação, da saúde, da museologia, da cultura, da arquivologia, da pesquisa, da religiosidade, da biblioteconomia, da cartografia e da comunicação.

Outro resultado do intenso trabalho que vem sendo realizado é a ocupação do espaço físico da Casa Sueli Carneiro. Após habitar a Casa do Povo por dois anos, o Acervo Sueli Carneiro foi transportado para a Casa, onde ficará definitivamente, com possibilidade de acesso ao público. A Casa também conta atualmente com uma exposição permanente, oriunda da Ocupação Sueli Carneiro no Itaú Cultural. Como ponto alto desse processo de ocupação a sede da Casa Sueli Carneiro foi inaugurada no dia 24 de junho de 2024, após três anos e meio de funcionamento virtual. A programação de inauguração da Casa coincidiu com o III Festival Casa Sueli Carneiro, que celebra todos os anos o aniversário da intelectual-ativista com atividades próprias e autogestionadas.

Como visitar

Para agendar uma visita à Casa Sueli Carneiro, é necessário verificar a disponibilidade de dias e horários. Para mais informações, entre em contato pelos e-mails casasuelicarneiro@casasuelicarneiro.org.br ou acervosuelicarneiro@casasuelicarneiro.org.br .

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Muncab – Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira

Refletindo sobre a liderança de mulheres negras no fomento a acervos, lugares de memória e espaços museais, Cintia Maria, diretora do Muncab – Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira, afirma: “Buscamos através dos espaços de memórias negras preservar o legado milenar das diversas culturas de matriz africana, colaborando para reconstruir as representações sociais sobre os brasileiros negros e africanos, contestando as narrativas pejorativas e estereotipadas, reelaborando suas imagens através da preservação de acervos, valorização do trabalho artístico e educação. Garantindo que nossas histórias sejam reconhecidas, valorizadas e celebradas. Empoderar é preservar nossas raízes e colaborar para um futuro de equidade racial”. 

Seguindo essa premissa, Cintia Maria e Jamile Coelho, diretora de inovação e estratégia, lideram atualmente o Muncab — Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira, importante centro de preservação, produção e difusão da cultura afro-brasileira e diaspórica nas Américas, com papel fundamental no diálogo e intercâmbio entre países africanos e o Brasil. O Muncab tem um compromisso primordial com a comunidade negra do Brasil, historicamente impactada pela experiência da escravização e do racismo. 

Como um dinâmico centro de produção, difusão e valorização da cultura afro-diaspórica nas Américas, o Muncab foi um dos importantes vetores de recuperação e revitalização do Centro Antigo de Salvador – local reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. O Museu dialoga tanto com artistas, acadêmicos e turistas, quanto com a população que enfrenta situações de vulnerabilidade do entorno, por meio de ações voltadas a sua desestigmatização e melhoria de auto-estima, utilizando-se de diversas expressões artísticas da cultura popular.

Trabalhando as artes a partir da interseccionalidade entre raça e gênero, bem como da garantia dos direitos de pessoas com deficiências, considerando novas tecnologias, como realidade virtual e aumentada, o processo museológico do Muncab prioriza também diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade. 

O Muncab é um equipamento cultural de preservação da memória afrodiaspórica, mas também de reconexão, por meio do reconhecimento e divulgação da obra de artistas contemporâneos, visibilizando a enorme contribuição do povo negro no processo de formação e no panorama atual da cultura brasileira.

Atualmente, com apoio do Ibirapitanga, o Muncab conduz a iniciativa “Coleção Con/Vida”, voltada à repatriação de 500 obras de arte dos EUA para o Brasil, bem como para sua salvaguarda no museu. A iniciativa inclui processo logístico com embalagem adequada, coordenação de documentação internacional e transporte especializado em obras de arte. A repatriação permite que a instituição amplie seu acervo e ao mesmo tempo destaque a potência criativa de resistência contra a sub-representação, realizada por artistas negras/os, ao longo dos anos, através da reconfiguração das memórias afro-diaspóricas. A “Coleção Con/Vida” é resultado de uma colaboração entre instituições culturais sem fins lucrativos e colecionadores com a missão de repatriar o patrimônio cultural afro-brasileiro que colecionaram ao longo de três décadas. Na visão do Muncab, a iniciativa também contribui para preservar e valorizar a memória dos artistas que compõem esse acervo, sobretudo os falecidos, permitindo que as novas gerações os alcancem, além de facilitar o acesso da comunidade aos seus próprios bens culturais e estimular a pesquisa para que seja possível pensar, na contemporaneidade, a coexistência de múltiplas reminiscências, possibilitando a criação de novos significados e novos sujeitos no cenário sociopolítico cultural.

Esse sentido é também negritado por Jamile Coelho, ao lembrar que a gestão do museu “é pautada por ações coletivas” e que “o Muncab é um museu que dialoga com a comunidade do entorno, com artistas negros do Brasil, mas que ao mesmo tempo se internacionaliza a partir das relações com países africanos e afro-diaspóricos”. Jamile Coelho defende que esse enfoque coletivo “enriquece as narrativas presentes no museu, mas também fortalece os laços históricos e culturais que conectam diferentes partes da diáspora negra globalmente.”.

Caso exemplar dessa prática, a exposição coletiva “Raízes: Começo, Meio e Começo”, com mais de 200 obras de 70 artistas do Brasil, Angola, Senegal, Guiné e Congo, foi inaugurada no dia 19 de julho de 2024. A exposição, tem a curadoria de Jamile Coelho e Jil Soares e é dividida em cinco eixos temáticos distribuídos em dois andares do Muncab: Origens, Sagrado, Ruas, Afrofuturismo e Bembé do Mercado, a partir de diferentes linguagens, com destaque para pinturas, fotografias, videoarte, performances, instalações e esculturas.

Como visitar

Endereço: Rua das Vassouras, 25, Centro Histórico de Salvador, Bahia

Período: 19 de julho de 2024 a 9 de março de 2025

Horário: Terça a domingo, das 10h às 17h (acesso até 16h30)

Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia) através do Sympla

Gratuidade: Quartas-feiras e domingos

Mais informações: (71) 3017-6722 e museuafrobrasileiro.com.br

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Muhcab — Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira 

O Muhcab — Museu da História e da Cultura Afro-brasileira é um museu de território situado na região da Pequena África, zona portuária do Rio de Janeiro, tendo como marco zero o Cais do Valongo, Patrimônio da Humanidade. Atualmente, conta com a direção da escritora, educadora e mestra em Relações étnico-raciais, Sinara Rúbia.

O museu pretende resgatar a história e memória da região que testemunhou o maior desembarque de africanos escravizados no mundo, de importantes marcos de afirmação negra no Brasil e do desenvolvimento da cultura afro-brasileira, bem como debater conceitos que emanam desta narrativa e a situação do negro no Brasil hoje. 

Criado oficialmente em 2017, o Muhcab surgiu numa perspectiva de construção conjunta com a sociedade, aliando-se conceitual e politicamente aos preceitos da Museologia Social. Nesse sentido, é um museu cujas narrativas são desenvolvidas com a participação comunitária, numa abordagem que problematiza historiografias oficiais, baseadas no silenciamento da memória negra. Assim, o museu busca a construção da história daqueles que nunca tiveram direito à História.

Por meio de seu programa educativo e cultural, o Muhcab busca consolidar-se como um centro de referência em estudos, pesquisa e boas práticas em educação patrimonial afrocentrada. Tem como missão implementar, fomentar e difundir práticas educacionais emancipatórias e inclusivas voltadas à história de afirmação e resistência do povo afro-brasileiro para contribuir com a transformação do entendimento do que é ser pessoa negra no Brasil, tornando-se espaço criativo e democrático para a construção de um novo devir pós-colonial.

Nesse sentido, o Muhcab busca desenvolver ações educativas dialógicas e participativas onde os públicos se aproximam e se reconhecem na história e na cultura afro-brasileira, por meio de Visitas Mediadas com roteiros imersivos e experienciais nos elementos-chave do Museu de Território. Outra dimensão central nas atividades do Museu é a difusão  do sítio arqueológico Cais do Valongo em sua capacidade de mobilizar o reconhecimento dos legados da Pequena África e da demanda urgente por reparação. 

No último ano, o Muhcab se voltou à iniciativa de revitalização de seu espaço físico, com apoio do Ibirapitanga. A iniciativa “Museu-território: memória, orgulho e identidade na Pequena África” tem como objetivo reformular a exposição de longa duração do Muhcab e complementá-la com recursos audiovisuais, sensoriais e cenográficos. Por meio dela, o museu desenvolveu um projeto para o hall “Heitor dos Prazeres – início do circuito expositivo” e para a sala “José da Paixão – achados do Valongo”, com sinalização que convida o público ao engajamento orgânico nos espaços. A iniciativa também incluiu a promoção de maior acessibilidade aos conteúdos, com sinalização em libras, dispositivos táteis e áudio descrições, para além da acessibilidade predial já disponível. No caso da sala “José da Paixão – achados do Valongo”, foi garantido um novo expositor, que atende às necessidades de conservação das peças, com a distribuição de monitores de umidade e temperatura e desumidificadores recarregáveis, além de vidro com película anti-UV para a vitrine central, que bloqueia raios infravermelhos e ultravioletas.

Depois de seis meses em obras, o Muhcab foi reaberto no dia 29 de junho de 2024, com novos espaços, atrações culturais e bate-papo. No dia 25 de julho, em comemoração ao dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha, será inaugurada a exposição “Achados do Valongo”.

Como visitar

Endereço: Rua Pedro Ernesto 80, Gamboa, Rio de Janeiro

Horário: Terça a domingo, das 10h às 17h

Entrada grátis e livre

Mais informações: https://www.rio.rj.gov.br/web/muhcab

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