Ibirapitanga pergunta, Idec responde: achados da pesquisa “Tem veneno nesse pacote”

Recentemente, conteúdos baseados nos dossiês “Tem veneno nesse pacote”, organizados pelo Idec – Instituto de Defesa do Consumidor, ganharam projeção e até se tornaram virais em plataformas de mídias sociais no Brasil.
O conjunto de três volumes de estudos científicos, comunica e alerta para o perigo duplo de consumir produtos ultraprocessados. Em primeiro lugar, porque comprovadamente os ultraprocessados têm em suas composições ingredientes nocivos à saúde humana e hoje são um dos principais responsáveis pelas doenças crônicas não transmissíveis. Em segundo lugar, porque os estudos apresentam a presença de resíduos de agrotóxicos cancerígenos nos produtos analisados.
A metodologia da pesquisa foi feita a partir da seleção da categoria de produtos e marcas mais consumidas pelos brasileiros de acordo com a POF — Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017/2018. Os achados expõem o modelo agrícola brasileiro, predominantemente voltado para a produção de commodities — produtos de alto valor comercial que abastecem setores como a indústria de ultraprocessados, o setor energético e a pecuária de corte, sendo grande parte destinada à exportação.
A monocultura intensiva, amplamente baseada no uso de sementes transgênicas, impulsiona o consumo excessivo de agrotóxicos e fertilizantes químicos, comprometendo a qualidade do solo e da água, acelerando a perda de biodiversidade e impactando a saúde de trabalhadores rurais e outras populações afetadas pela pulverização de agrotóxicos. Os impactos dessa cadeia produtiva não se limitam ao campo. Os ultraprocessados, que dependem de matérias-primas como milho, soja, trigo e açúcar, perpetuam esse modelo ao estimular a produção em larga escala dessas culturas e o consequente uso intensivo de agrotóxicos.
Como é próprio do ambiente digital, a ampliação de alcance de descobertas científicas complexas como essas por vezes levanta algumas dúvidas. Neste “Ibirapitanga pergunta”, Tamara Correia de Andrade, especialista em regulação de alimentos do Idec, responde às dúvidas mais frequentes levantadas pelo Instituto sobre o tema.
Ibirapitanga: Frutas e verduras são mais seguros que ultraprocessados?
Tamara Correia de Andrade: Com certeza. Os produtos alimentícios ultraprocessados se caracterizam pela grande quantidade de nutrientes críticos à saúde (sódio, açúcares e gorduras) e pela presença de aditivos alimentares com funções cosméticas, como aromatizantes, corantes, edulcorantes, entre outros. e existem cada vez mais evidências que relacionam seu consumo à incidência de doenças crônicas não transmissíveis, tais como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e até alguns tipos de câncer. O Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde para nortear a formulação de políticas públicas, recomenda que o consumo desse tipo de produto seja evitado. A presença de alta quantidade de resíduos de agrotóxicos em qualquer tipo de alimento é preocupante, mas evitar o consumo de frutas e verduras não evita essa exposição, já que as pesquisas “Tem Veneno Nesse Pacote”, do Idec, mostram que uma quantidade significativa dos produtos ultraprocessados contêm resíduos de agrotóxicos.
Os ultraprocessados, desbalanceados nutricionalmente, não trazem nenhuma segurança adicional em relação à comida de verdade.
Ibirapitanga: Qual o risco que esses níveis de agrotóxicos representam?
Tamara Correia de Andrade: Os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde humana podem variar de acordo com o tipo de substância, a maneira de exposição e a quantidade empregada, mas, pela sua própria natureza, sempre trarão algum impacto. Os principais efeitos nocivos identificados incluem infertilidade, malformações fetais e desregulação hormonal. A Anvisa — Agência Nacional de Vigilância Sanitária estabelece limites máximos de resíduos (LMR), que determinam a quantidade máxima de resíduos de agrotóxicos que pode estar presente no alimento in natura. Não existem, porém, LMR para ultraprocessados, o que, na prática, inviabiliza a análise da sua segurança e conformidade neste quesito. Além disso, um produto com vários ingredientes pode conter diversos tipos de agrotóxicos, provenientes de matérias-primas diferentes. Dessa forma, não se sabe os efeitos que o consumo combinado de tais substâncias pode acarretar para a saúde humana e se os limites diários estabelecidos já não estão sendo ultrapassados.
Ibirapitanga: Quem deveria controlar a presença de agrotóxicos nos alimentos e por que não faz?
Tamara Correia de Andrade: A Anvisa é o órgão competente para monitorar as intoxicações e a presença de resíduos na água e nos alimentos. Para isso, conduz o PARA — Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos, que tem o objetivo de promover a segurança dos alimentos. No entanto, o PARA avalia apenas frutas, legumes, hortaliças e grãos. Os produtos alimentícios ultraprocessados, que têm sido cada vez mais consumidos pela população brasileira, não estão sujeitos a nenhum controle de resíduos de agrotóxicos. Enviamos todos os resultados das três edições da pesquisa “Tem Veneno Nesse Pacote” para a Anvisa, pedindo a inclusão dos ultraprocessados nas próximas edições do PARA. A Agência nunca se comprometeu com a ampliação do Programa, nem sequer a promover estudos sobre a questão. O MAPA — Ministério da Agricultura e Pecuária é responsável pela regulamentação de requeijão e produtos cárneos empanados, mas, quando contactado pelo Idec, que lhe apresentou os resultados do “Tem Veneno Nesse Pacote”, alegou que a definição de LMR de agrotóxicos em alimentos é atribuição da Anvisa.
Ibirapitanga: Qual a recomendação do Idec de abordagem nesse cenário?
Tamara Correia de Andrade: Entendemos que o direito à alimentação adequada e saudável se baseia em dois princípios que se relacionam. O primeiro é o acesso universal a alimentos saudáveis e o segundo diz respeito a sistemas produtivos que dependam cada vez menos do uso de agrotóxicos. É urgente que se implemente uma política pública robusta de controle de agrotóxicos, inclusive em produtos alimentícios ultraprocessados, porque é papel do Estado, na condição de promotor da segurança alimentar e nutricional, assegurar que a população não esteja exposta a riscos à saúde e à segurança provocados pelo fornecimento de produtos perigosos ou nocivos. Em termos de informação adequada e clara ao consumidor, o Idec tem algumas iniciativas como o Raio X dos Rótulos, que orienta sobre como ler e interpretar as informações que podem ser encontradas nos rótulos de alimentos e bebidas embalados, e o Mapa de Feiras Orgânicas, ferramenta de busca de locais que vendem alimentos orgânicos ou agroecológicos.