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Para votar em mulheres negras: entendendo a iniciativa Estamos Prontas, com Fabiana Pinto e Tainah Pereira

Equidade racial
25.07.2022

À esquerda, Fabiana Pinto e, à direita, Tainah Pereira

Mulheres negras são quase 28% da população brasileira, configurando uma maioria populacional no país. No entanto, sua representatividade política fica abaixo de dois dígitos, seja nos cargos executivos ou legislativos de cidades, estados e do país. Além de serem maioria brasileira, mulheres negras são também base organizativa da sociedade, como intelectuais, dentro e fora da academia, bem como enquanto lideranças comunitárias, de movimentos e chefes de família. Diante desse quadro, não é difícil concluir que os caminhos de transformação social devem, necessariamente, passar por uma profunda ampliação da representatividade política das mulheres negras, voltada ao enfrentamento ao racismo e às iniquidades de gênero.

A iniciativa Estamos Prontas, uma parceria entre o Instituto Marielle Franco e o movimento Mulheres Negras Decidem, busca fortalecer candidaturas de mulheres negras que são lideranças coletivas. As coordenadoras do Estamos Prontas, Fabiana Pinto((Fabiana Pinto é coordenadora de incidência e pesquisa do Instituto Marielle Franco. Sanitarista (Bacharel em Saúde Coletiva) pela UFRJ e mestranda em Saúde da Criança e da Mulher no Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz) com pesquisas sobre Justiça Reprodutiva, Direitos Humanos e Saúde. Integra como conselheira política o IPAD – Instituto Pensamentos e Ações em Defesa da Democracia e o Movimento Mulheres Negras Decidem.)) e Tainah Pereira((Tainah Pereira é coordenadora política do movimento Mulheres Negras Decidem, bacharel em Relações Internacionais e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência em gestão de políticas públicas de nível local e regional, além de experiência em incidência política em organismos internacionais.)), responderam a cinco perguntas que nos ajudam a entender melhor a iniciativa.

1 | Como e por que a iniciativa foi idealizada?

A iniciativa começa a ser delineada nos primeiros meses de 2021, a partir dos acúmulos e das experiências recentes coletivas e individuais do Instituto Marielle Franco e do movimento Mulheres Negras Decidem, que juntos lançaram o livro “A radical imaginação política das mulheres negras brasileiras” e a minissérie “Para onde vamos”, no mesmo ano; além de iniciativas como encontros de formação política e conformação de rede de articuladoras do movimento Mulheres Negras Decidem; e ainda, as pesquisas e esforços acerca do enfrentamento à violência política de gênero e raça, e a Agenda Marielle Franco, do Instituto Marielle Franco. Para 2022, o entendimento da organização e do movimento é que há uma urgência de oferecer às mulheres negras, que se lançam na política, um maior acesso a recursos e a oportunidade de desenvolver habilidades específicas para a disputa eleitoral, e assim surgiu o projeto Estamos Prontas.

2 | Como foram selecionadas as candidatas a participarem da iniciativa?

A seleção das lideranças do projeto Estamos Prontas se deu por meio de edital aberto, que contou com uma pré-seleção e um processo de entrevista. Para o processo seletivo, foram estabelecidos critérios para priorização e classificação das candidatas. Ao todo, foram 208 inscritas de todos os estados do país, para chegarmos ao número de 27 lideranças, uma de cada estado brasileiro e do distrito federal. O principal critério foi o de que fossem mulheres negras lideranças coletivas, isto é, mulheres negras que emergem dos movimentos sociais e têm compromissos com o antirracismo, anti lgbtfobia e uma democracia plural e popular. Suas relações prévias com o Instituto Marielle Franco ou o Movimento Mulheres Negras Decidem também foram levadas em consideração. Por entendermos que uma figura política não é construída de uma eleição para outra, acreditamos ser importante considerar aquelas que já tinham se lançado na disputa eleitoral em anos anteriores. Além disso, foram usados critérios relativos a outros marcadores sociais, como território, pertença étnica, orientação sexual, identidade de gênero e prática religiosa.

3 | Qual contribuição ou inovação a iniciativa traz na abordagem e visibilidade a candidaturas de mulheres negras?

O que buscamos no Estamos Prontas é, sobretudo, a conformação de uma rede sólida e diversificada de mulheres negras operadoras da política institucional e verdadeiramente comprometidas com o aprofundamento da democracia. Sempre reforçamos quão benéficas são as contribuições dessas mulheres para o bem-estar coletivo, o que nem sempre aparece nos debates públicos sobre os rumos do país. Acreditamos que o caminho para a saída da crise que vivemos vem sendo pavimentado há décadas pelos movimentos populares, com especial protagonismo de mulheres negras no âmbito da política institucional, e que a agenda política que elas defendem é uma agenda que beneficia todo o conjunto da sociedade brasileira.

4 | De forma geral, quais as visões mais consolidadas em termos de agenda política antirracista que as candidatas apresentam?

As lideranças do Estamos Prontas representam um grupo bastante diversificado, com históricos de luta e formação política variados. Todas compreendem a urgência do debate sobre o racismo que estrutura as relações de poder na sociedade brasileira e acreditam na política institucional como meio mais eficaz de reparar erros históricos, garantir os direitos conquistados no presente e construir novas maneiras de ser e estar no mundo. A transversalidade do antirracismo presente nas práticas dessas mulheres é muito evidente; são mulheres negras especialistas e ativistas de temas que vão desde saúde materna e infantil até mobilidade urbana, passando por economia criativa, direito à moradia e à terra, o direito de pessoas com deficiência, o combate à transfobia e o enfrentamento ao racismo religioso, além, é claro, de um compromisso mútuo pela defesa dos direitos humanos e direitos da população negra brasileira.

5 | Qual a relação das perspectivas de mulheres negras trabalhadas há 30 anos por meio do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha e a iniciativa “Estamos prontas”?

No Estamos Prontas, trabalhamos sempre com a perspectiva de continuidade. Apesar de trazer novas e ótimas contribuições para seus contextos locais, neste período histórico, todas as lideranças do projeto se inspiram e referenciam mulheres negras brasileiras que muito contribuíram para conformação da imensa rede latino-amefricana de mulheres negras que, desde a década de 1990, vêm incidindo com cada vez mais contundência nos debates internacionais sobre direitos humanos e direitos difusos. Elas estão seguindo os passos de referências como Edna Roland, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Nilma Lino Gomes, Sueli Carneiro e muitas outras nesta longa mas, esperamos, vitoriosa, jornada rumo à emancipação da população negra no Brasil.

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