Entre o campo e a cidade vivem os saberes de famílias conectados a circuitos agroecológicos

Da esquerda para a direita, Fabiano Novaes, técnico de produção dos Circuitos Agroecológicos e Carlania Nunes Beu Novaes, agricultora orgânica certificada participante da plataforma, 2019.
De Serra Grande, distrito de Uruçuca, Bahia, parte uma experiência voltada a contribuir à alimentação saudável e a proteção da sociobiodiversidade no campo em interação com a cidade.
A ideia, que nasce da identificação de demandas de redes agroecológicas locais, foi desenvolvida pela Tabôa Fortalecimento Comunitário, situada em Serra Grande, e é executada em parceria com o Ibia – Instituto Ibi de Agroecologia, de São Paulo, no projeto “Fortalecimento da agroecologia – Circuitos de comercialização”, apoiado desde 2018 pelo Instituto Ibirapitanga. Atualmente disseminado sob o nome “Circuitos agroecológicos”, o projeto busca realizar sua contribuição por meio do fortalecimento da Rede de Agroecologia Povos da Mata, localizada na Bahia, e da estruturação de circuitos de comercialização em parceria com a Rede Ecovida, presente no Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Para a iniciativa com propósitos tão desafiadores, Tabôa e Ibia uniram esforços, distribuídos nos eixos produção, beneficiamento, comercialização e crédito. Essas quatro frentes de atuação têm como foco responder a problemas enfrentados pelos agricultores familiares das redes agroecológicas parceiras do projeto. Entre eles estão dificuldades em ampliar em escala e diversidade a produção, em melhorar o padrão de qualidade, acesso restrito ou inexistente a crédito para os agricultores familiares, necessidade de estruturas regularizadas e equipadas para beneficiar e processar produtos in natura. Adicionam-se a essas questões estradas rurais precarizadas para transporte de produtos para venda, estações que funcionam como mini entrepostos pouco preparadas para recebimento de produtos e complexidades na consolidação de rotas curtas e longas que viabilizem os circuitos.
A eclosão da pandemia de covid-19 no Brasil estabeleceu uma nova fronteira de desafios para os circuitos, cujo sucesso dependia de uma série de fatores afetados pela crise.
O cenário exigia planejamento e capacidade de inovadora. No campo dos sistemas alimentares, a agroecologia se constitui como essa possibilidade sustentável de onde as soluções produzem valor para o ecossistema em seu sentido completo, de onde a vivência humana não se desconecta. Foi com base na perspectiva agroecológica que essa capacidade foi gerada e se desdobrou em resultados bastante positivos.
Para empregar melhorias nos processos relacionados à produção, o projeto ofereceu assistência técnica a agricultores familiares vinculados à Rede de Agroecologia Povos da Mata, por meio de visitas individuais e oficinas. Também foi iniciada implantação e enriquecimento de quatro hectares de sistemas agroflorestais, divididos igualmente entre os assentamentos rurais Dois Riachões, Dandara, Terra de Santa Cruz e Demétrio Costa, na Bahia.
Com este suporte técnico, foi possível avançar na área de beneficiamento. A Rede Povos da Mata criou sua própria comissão de avaliação de rotulagem orgânica e dobrou seu número de agroindústrias com certificação. Aliado ao beneficiamento, houve a concessão de 224,5 mil reais em créditos, alcançando mais de 200 famílias agricultoras.
Na frente de comercialização foram desenvolvidas e operacionalizadas ações estruturais voltadas a implementar os circuitos que dão nome à iniciativa junto à Rede de Agroecologia Povos da Mata e à Rede Ecovida. Realizada por meio de diferentes rotas, estações e subestações, a operação conta com circuitos curtos, que incluem 220 famílias agricultoras e um circuito longo, incluindo 49 famílias. Um dos grandes marcos foi o lançamento da Estação São Paulo, um entreposto de integração entre as três regiões que compõem a iniciativa, representando uma contribuição significativa no cenário nacional, onde predominam circuitos individualizados de comercialização de alimentos agroecológicos. Entre novembro de 2019 e março de 2020, o ciclo inicial de circuitos do projeto já garantiu o abastecimento de 34 feiras e gerou um fluxo de R$ 564 mil.
A eclosão da pandemia de covid-19 no Brasil estabeleceu uma nova fronteira de desafios para os circuitos, cujo sucesso dependia de uma série de fatores afetados pela crise. Em articulação com os coinvestidores – Ibirapitanga, Humanize e Porticus – Tabôa e Ibia puderam centrar esforços em ações que estruturaram ainda mais o projeto. Para tanto, em resposta mais imediata, a iniciativa voltou-se ao fortalecimento das condições físicas das estações de distribuição de alimentos, à viabilidade da circulação e abastecimento das estações e também à aquisição de produtos dos agricultores para fornecer a populações em situação de vulnerabilidade na Bahia. A compra dos produtos de sete assentamentos gerou uma aproximação de seus agricultores com o circuitos agroecológicos e com a própria Rede Povos da Mata.
Desafiando a narrativa hegemônica do momento de crise, os circuitos baseados no modelo agroecológico tiveram ainda fôlego acessar novos mercados. Um exemplo foi a parceria em um projeto com chefes de cozinha e associações comunitárias – Rangô – pelo qual foram captados recursos colaborativos, revertidos para compra de produtos de agricultores familiares das redes parcerias do projeto. Os produtos foram fornecidos a restaurantes para produção de marmitas, posteriormente distribuídas a diferentes públicos em situação de vulnerabilidade em São Paulo, por meio de associações beneficentes.
Diante de resultados expressivos no primeiro ano de realização dos “Circuitos agroecológicos”, a Tabôa identifica que a iniciativa colabora para o avanço da soberania e da segurança alimentar, a partir da melhoria do acesso dos agricultores à alimentação, e aumento da circulação e diversidade de alimentos. Os circuitos, também estão fortalecendo os vínculos de confiança entre seus diferentes atores, ativando e garantindo a sustentabilidade das várias etapas de um ciclo que se renova, da produção ao consumo, potencializados pelo beneficiamento e acesso a crédito. Mais do que resilientes, os circuitos tem se mostrado uma solução pela via da agroecologia para o momento de crise, que prova sua capacidade de permanecer como modelo para a sociedade. Tudo isso priorizando os saberes e a amplificação das vozes das famílias do campo.