Crises sistêmicas e a incidência das mulheres negras

O racismo é fator central em diferentes esferas da sociedade brasileira e com os sistemas alimentares não é diferente. Dados que contribuem para o diagnóstico sobre o direito à alimentação adequada e saudável da população são compostos por índices de segurança alimentar e nutricional e pelo nível de acesso a alimentos. Em todas essas perspectivas, raça e etnia são indicadores determinantes de desigualdades.
Adiciona-se a essa realidade a fragilidade do reconhecimento e salvaguarda da cultura alimentar sob uma perspectiva afro-brasileira, bem como a baixa visibilidade à participação de lideranças negras nos movimentos de incidência sobre a questão alimentar. Ambos os casos se configuram como dinâmicas racistas de apagamento da contribuição negra na construção de sistemas alimentares justos, saudáveis e sustentáveis.
A tradição alimentar que atravessou o oceano foi uma poderosa ferramenta na garantia e resistência de mulheres escravizadas, que ocuparam as ruas e feiras por sobrevivência. De maneira articulada, movimentos de mulheres negras também reivindicam a pauta alimentar como um dos meios de enfrentamento às desigualdades produzidas pelo racismo.
Do resgate de saberes ancestrais que foram desvalorizados pela casa grande, à visibilidade ao ativismo na linha de frente do combate à insegurança alimentar, é necessário reconhecer e afirmar a marca das mulheres negras no combate às múltiplas fomes e crises sistêmicas.
A seguir, conheça algumas referências que alimentam o repertório de interseccionalidade entre raça, gênero e a questão alimentar no Brasil.
Suplemento 2: Insegurança alimentar e desigualdades de raça/cor e gênero do 2º VIGISAN
Desenvolvido pela Rede PENSSAN – Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, os dados do Suplemento 2 do 2º Inquérito de Insegurança Alimentar confirmam o impacto do racismo estrutural e das injustiças de gênero nos indicadores do acesso à alimentação: a fome é marcada pelo racismo e o machismo. Lares liderados por mulheres negras, independentemente de seu nível educacional ou condição de trabalho, são mais afetados pela insegurança alimentar que qualquer outro segmento populacional.
“Muitas fomes e crises sistêmicas” — Entrevista com Sandra Chaves
Para discutir a insegurança alimentar, sob uma perspectiva sistêmica, o Ibirapitanga conversou em 2022 com Sandra Chaves, nutricionista, doutora em Administração pública, professora da UFBA — Universidade Federal da Bahia e atual coordenadora da Rede PENSSAN — Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Sandra abordou o contexto nacional que levou milhões de brasileiras e brasileiros aos índices de insegurança alimentar e reforçou também a importância da sociedade civil organizada na produção de conhecimento e pesquisa que deram contorno à triste realidade brasileira.
Ativismo alimentar de mulheres negras e políticas públicas
Em meio à necropolítica promovida pelo último governo, muitas iniciativas se levantaram como resistência às múltiplas violências e ausências de direitos. Entre os diversos movimentos, destacam-se as iniciativas de mulheres negras que atuam na defesa de políticas alimentares que considerem a sobreposição dos sistemas de opressão, dominação, exclusão e discriminação, foco do artigo “Ativismo alimentar de mulheres negras e políticas públicas”. O estudo faz parte de um conjunto de artigos do SOPAS — Grupo de Pesquisa em Sociologia das Práticas Alimentares vinculado ao PPGS — Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cujo objetivo é articular pesquisas que analisam o modo como práticas sociais inovadoras (da produção ao consumo) estão redesenhando a dinâmica dos sistemas alimentares.
Território vivo: o combate às mudanças climáticas no Cerrado
A parceria do podcast Guilhotina, de Le Monde Diplomatique, com a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e apoio técnico da Rádio Tertúlia, apresenta dois episódios que interseccionam raça, gênero e a questão alimentar.
O primeiro episódio, “Mulheres da terra, o Cerrado somos nós”, aborda as comunidades de apanhadoras de flores e de quebradeiras de coco babaçu, que representam dois modos de vida com forte protagonismo de mulheres. Elas resistem à violência do agronegócio e da mineração contra seus povos e territórios, principalmente, na região do Matopiba.
O último episódio, “Desigualdades entrelaçadas: gênero, raça e classe nos territórios do Cerrado”, trata das comunidades quilombolas e sobre como as questões de gênero, raça e classe estão interligadas na defesa do território e também nas ameaças sofridas por essas populações.