Sim, mas por quê? — O 25 de julho e sua expansão no Brasil a partir do Nordeste e Centro-oeste

Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, na Bahia, julho de 2023 |
Criado em 1992 num encontro de mulheres negras latino-americanas e caribenhas, em Santo Domingo, na República Dominicana, local de chegada dos colonizadores europeus, o 25 de julho hoje é ocupado por diversas ações em todo o Brasil e ganha mais visibilidade na mídia e em outras esferas da sociedade brasileira. Mas por quê?
Desde as memórias do encontro de mulheres negras latino-americanas e caribenhas, passando pela criação e expansão de um festival no Distrito Federal, até uma mobilização nacional idealizada a partir do Nordeste, conheça algumas das articulações que pautaram e fortaleceram o 25 de julho na agenda brasileira.
Sem referência anterior para a escolha do dia, as mulheres negras latino-americanas e caribenhas geraram uma data histórica para falarem de si
O 25 de julho de 1992 foi a culminância do 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e Caribe e marcou a inauguração da data com uma marcha e um festival de artistas de Santo Domingo, República Dominicana, local de chegada dos colonizadores europeus.
Tornando visível a trágica história de aniquilamento e escravidão de civilizações de dois grandes continentes — a África e as Américas — essas mulheres decidiram escrever outra, com marco e data de referência própria.
Em novembro de 2022, foi realizado na Costa do Sauípe, Bahia, o encontro em comemoração aos 30 anos do 1º encontro e da criação na mesma ocasião da RMAAD — Rede de Mulheres Afrolatinoamericanas, Afrocaribenhas e da Diáspora. Na última terça-feira foi lançado o documentário que narra essa história.
Com realização da RMAAD, da AMNB — Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras e do Odara — Instituto da Mulher Negra, o média metragem traz depoimentos de fundadoras, coordenadoras, ex-coordenadoras e membras ativas da Rede e conta o contexto de fortalecimento do movimento regional de mulheres negras, marcos ao longo da história, além de desafios e perspectivas contemporâneas.
A participação de mulheres negras brasileiras no encontro fez com que a data ganhasse força no Brasil, com articulação fundamental a partir do Nordeste
Entre as mulheres brasileiras presentes no 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e Caribe esteve Valdecir Nascimento, uma das fundadoras de Odara. Em 2021, ela contou essa história numa conversa com o Ibirapitanga, que entre outros pontos, abordou sua trajetória como ativista e a criação do Julho das Pretas.
No contexto do 25 de julho, Odara, organização baiana, idealizou o Julho das Pretas, agenda conjunta com organizações e movimentos de mulheres negras, para o fortalecimento da sua ação política coletiva e autônoma. Em sua 11ª edição, a iniciativa que partiu de mulheres negras do Nordeste para o Brasil é atualmente organizada por AMNB – Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, Rede de Mulheres Negras do Nordeste e Rede Fulanas – Negras da Amazônia Brasileira.
Neste ano, a agenda apresenta 446 atividades articuladas por mais de 230 organizações de mulheres negras ou mistas em 20 estados brasileiros e no Distrito Federal. O tema que norteia as ações do Julho das Pretas em 2023 é “Mulheres negras em marcha por reparação e bem viver”.
O maior festival de mulheres negras da América Latina nasceu no Distrito Federal e também fomenta o 25 de julho nacional e internacionalmente
De um coletivo de jovens negras periféricas do Distrito Federal, nasceu o Instituto Afrolatinas, que deu vida, em 2008, à primeira edição do Festival Latinidades, uma plataforma multilinguagens que impulsiona as trajetórias de mulheres em diferentes campos de atuação. De lá para cá, o Afrolatinas e o Festival Latinidades foram diretamente responsáveis pela divulgação e fortalecimento, no Brasil, do 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela, tendo o instituto atuado para a criação e sanção, em 2014, da data como lei.
Em sua 16ª edição o Festival Latinidades pela primeira vez se estendeu ao longo do mês de julho, com programação em quatro cidades diferentes: Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, tendo como tema “Bem viver como tecnologia e cultura de inovação”.
De acordo com o festival, a noção de bem viver tem a ascendência mais conhecida nos povos originários Aymara e Kichwa e encontra ressonância nos modos de viver dos povos da floresta e povos tradicionais da América Latina. O conceito de bem viver vem, cada vez mais, ganhando força em toda a região, mesclando-se a outras epistemologias que confrontam diretamente o modelo vigente desenvolvimentista e exploratório da natureza e dos seres humanos.
A comunicação é fator central na ação das mulheres negras e a blogagem coletiva é uma de suas expressões, que visibiliza inclusive o 25 de julho
Em história sobre as organizações de geração mais recente do movimento de mulheres negras, o Ibirapitanga abordou as experiências tanto do Instituto Afrolatinas, quanto do Blogueiras negras, comunidade comprometida com as questões de gênero e raça, que reúne e estimula a produção de conteúdo para veículos de comunicação independentes produzidos por e para mulheres negras.
A comunidade é fruto da Blogagem Coletiva da Mulher Negra, iniciativa organizada para motivar a produção de textos de mulheres negras, a princípio relacionados a duas datas — o 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra e o 25 de Novembro, Dia Internacional de Combate à Violência Contra as Mulheres. A partir da criação de Blogueiras Negras, essa produção ganhou um espaço de visibilidade, preservação e fomento à memória, desdobrando-se na construção de redes colaborativas de comunicação conduzidas por e para mulheres negras com diversas organizações.
No último dia 25 de Julho, o Blogueiras Negras realizou o chamado “Marche com uma mulher negra hoje”, convidando o público a se juntar às marchas que ocorreram em todo o país.