Mulheres negras, sonhos e marchas

Seja pela experiência ancestral de culturas matriarcais africanas, seja pela posição ocupada no sistema escravocrata, ou mesmo por um combinado desses dois fatores, mulheres negras constroem um legado de luta responsável por fazer avançar a população negra e, desse modo, a sociedade.
Há 30 anos, mulheres negras da América Latina e do Caribe deram um importante passo nesse sentido, quando se organizaram para pautar reflexão e ação políticas críticas à colonialidade. Traçaram um plano que, em diferentes aspectos, trazia essa dimensão. Escolheram se encontrar para uma grande articulação em Santo Domingo, na República Dominicana, local de chegada dos colonizadores europeus. O encontro aconteceu em 1992, ano em que se completaram 500 anos desse evento que desencadeou a história de aniquilamento e escravidão de civilizações de dois grandes continentes — a África e as Américas.
Tornando visível a trágica história, essas mulheres decidiram escrever outra, com marco e data de referência própria. Marcharam no dia 25 de julho de 1992, criando um novo capítulo, ao fazerem nascer o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha.
De lá para cá, inúmeros são os marcos do movimento de mulheres negras. O início e consolidação de organizações lideradas por mulheres negras no Brasil, a exemplo de Geledés, Criola, CEERT e Odara, que é também idealizadora da campanha “Julho das pretas”. A Marcha das mulheres negras contra o racismo, a violência e pelo bem-viver, de 2015, que resultou em uma carta de análise e declaração sobre os princípios do bem-viver. As grandes articulações e redes de mulheres negras no Brasil. E, junto aos 30 anos da data, os 15 anos do Festival Latinidades, uma das iniciativas que possibilitou maior projeção ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha.
Conquistas institucionais evidenciam também esse processo, como o ensino de história e da cultura africana e afro-brasileira e indígena nas escolas, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, o Estatuto da Igualdade Racial; e a Lei de cotas nas universidades públicas e institutos federais, e a Lei nº 12.990.
Pelos sonhos e lideranças de mulheres nos movimentos negros, outra sociedade passa a se tecer. Num projeto de país pautado no resgate ancestral e na identidade negra, com uma visão de futuro onde o bem-viver é um direito garantido a todas as pessoas, mulheres negras e suas perspectivas nutrem os passos que damos hoje.