Três pontos sobre fome e agricultura familiar por MPA

De acordo com o 2º VIGISAN — Inquérito nacional sobre insegurança alimentar no contexto da pandemia da covid-19 no Brasil, a insegurança alimentar em seus diferentes níveis está presente em mais de 60% dos domicílios das áreas rurais. O inquérito também revelou que 38% dos domicílios de agricultores familiares e pequenos produtores rurais são afetados com as formas mais severas de insegurança alimentar.
Para entender um pouco mais dessa situação, Saine Santos, da coordenação nacional e responsável pela secretaria nacional do MPA — Movimento dos Pequenos Agricultores, abordou três pontos sobre o cenário atual, que leva quem planta no Brasil a ter cada vez menos o que comer.
1. A agricultura familiar e a fome
A fome, que havia reduzido muito entre 2004 e 2014, voltou a crescer entre 2016 e 2020, chegando a atingir mais de 19 milhões de pessoas, e teve um aumento absurdo em dois anos de pandemia de covid-19, consequência do descaso, abandono e desmonte das políticas públicas causadas pelo governo Bolsonaro. Conforme revelam os dados do 2º VIGISAN, divulgado pela Rede PENSSAN, a insegurança alimentar hoje atinge mais de 125,2 milhões de pessoas. Mais de 33,1 milhões de pessoas estão em insegurança alimentar grave, ou seja, passam fome pela privação completa do acesso aos alimentos.
Durante a pandemia, o presidente Jair Bolsonaro, por meio de suas escolhas políticas de governo, negligenciou e teve postura negacionista diante da demanda de vacinação e de distanciamento social, além de não garantir o mínimo de renda para que as famílias pudessem ter comida no prato. Também não garantiu nenhum subsídio para a agricultura camponesa seguir produzindo a diversidade dos alimentos que abastecem a mesa do povo brasileiro. Pelo contrário, vetou o Projeto de Lei Assis Carvalho (PL 735/20), que visava medidas emergenciais de amparo às famílias camponesas e a agricultores familiares do Brasil para mitigar os impactos socioeconômicos da pandemia, bem como implementou um pacote de desmonte de programas como o PAA — Programa de Aquisição de Alimentos e de sucateamento da CONAB — Companhia Nacional de Abastecimento.
A fome nessa quadra da história brasileira tem como elementos explicativos a lógica de produção e circulação de alimentos no modo de produção capitalista, mas também se agrava com a crise do capital iniciada em 2008. A essa crise somam-se as crises energética, ambiental e sanitária.
2. A fome no campo e na cidade
Como revelado no 1º inquérito, o quadro se repete agora novamente. A fome tem lugar, tem sujeito, tem classe social e segue se alastrando no campo e nas periferias. Os dados mostram que a fome cresceu no campo. Atualmente mais de 18,6% das famílias no campo convivem com a fome (insegurança alimentar grave) e esta é uma realidade sobre a qual nós do MPA já vínhamos alertando. A fome é um projeto e está totalmente ligada à reprodução do capital e seu modelo de produção. Temos um cenário de aumento da pobreza das populações rurais e de desmonte das políticas de apoio à produção camponesa, portanto mesmo a classe que tem o papel da produção de alimentos segue passando fome.
3. Mobilizações e saídas possíveis
Nós acreditamos que a saída perpassa por uma política de Estado que garanta a produção de alimentos saudáveis. Para isso, é preciso um programa nacional de produção de alimentos com base agroecológica, junto a uma política nacional de abastecimento descentralizado nas periferias, para que chegue alimento na mesa dos que estão com fome ou nos outros níveis de insegurança alimentar. O Estado deve assegurar o direito à alimentação como previsto na Constituição, porém quem tem fome não pode esperar. É por isso que, desde início da pandemia, o Movimento dos Pequenos Agricultores vem construindo o Mutirão contra a fome, campanha permanente de doação de alimentos produzidos por camponeses e camponesas, articulada com organizações sindicais, por meio de doação de cestas agroecológicas, bem como com cozinhas solidárias em parceria com MTST — Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. O Mutirão Contra a Fome é uma campanha que busca minimizar a situação de fome e construir mecanismos organizativos nas comunidades, a exemplo dos CPAs — Comitês Populares do Alimento, discutindo com a população sobre o contexto de fome e como é possível, a partir desses processos, construir formas para superar o problema, por meio da luta pelo direito à alimentação.