Agricultura justa e o futuro dos sistemas alimentares

Agricultura em Parelheiros. Registro realizado durante levantamento de dados sobre agricultores arrendados e levantamento de propriedades, 2019.
A reflexão sobre o papel da agricultura justa – aquela que respeita os limites do meio ambiente, protege a biodiversidade, remunera corretamente os agentes envolvidos e propicia a alimentação saudável – tem sido cada vez mais objeto de atenção e inovação no Brasil, como ator fundamental da agenda da alimentação.
Pautar agricultura justa é também refletir sobre o direito à terra e sua distribuição, desafiando as lógicas da gentrificação e dos interesses de mercado. Com foco inicial na reflexão e ação sobre a noção de propriedade justa em ambientes urbanos, nasce em 2015, no Centro de São Paulo, o Fundo FICA. A organização tem transbordado essa reflexão também ao ambiente rural e rural-urbano para pensar ações e criar alternativas ao mercado especulativo através de cessão de uso de propriedades, propriedade comunitária e financiamento coletivo.
O FICA – Associação para a Propriedade Comunitária entende que a terra é um bem escasso concentrado na mão de poucos e, quando ela se estabelece em locais privilegiados, gera aumento da especulação imobiliária e disputa territorial. Diante dessa realidade, é fundamental mapear iniciativas de agricultura urbana, periurbana e rural, bem como trabalhar na modelagem de instrumentos jurídicos para resguardar a terra e garantir a continuidade das atividades agrícolas a médio-longo prazo.
São inúmeros os projetos que promovem a agricultura justa no Brasil, ainda que constantemente ameaçados por conta de usos concorrentes, como a agricultura intensiva, os loteamentos periféricos, turismo e degradação do meio ambiente que fazem com que a agropecuária continue sendo vetor de destruição de recursos naturais.
Para estimular o desenho e implementação de novas possibilidades neste campo, o FICA realiza a iniciativa “Acesso à terra para a agricultura justa” apoiado pelo Instituto Ibirapitanga em parceria com o Goethe-Institut. Em sua primeira fase, a iniciativa contou com uma pesquisa e oficina com produtores agrícolas, baseada em discussões e troca de experiências. Como resultado, foram elaboradas propostas de instrumentos jurídicos e modelos de contrato que garantam o uso da terra para permanência de projetos ligados à agricultura sustentável.
A segunda fase dá continuidade à formulação e modelagem de arranjos institucionais, bem como de instrumentos jurídicos, administrativos, de gestão e de captação de recursos que permitam a permanência dos bons usos da terra. E estreita os laços do FICA com agricultores e agricultoras da zona Sul de São Paulo, mais especificamente de Parelheiros – distrito com cultura de produção agrícola tradicional que vive sob pressão da expansão urbana.
Além de experimentar os arranjos institucionais na região, o projeto atua em duas pontas: garante alimentos saudáveis e de boa qualidade para famílias com a segurança alimentar em risco, e contribui para aumento da comercialização dos produtores locais.
Ao conduzir esta iniciativa, o FICA deixa evidente a importância de valorizar as narrativas alternativas para uma agricultura justa, que contribua para a viabilidade da produção de alimentos saudáveis, com baixo impacto ambiental. O caminho é pelo fortalecimento da rede de agricultores, voltados ao bom uso e aproveitamento da terra, para a construção de um futuro possível e sustentável.
Com a pandemia da Covid-19, foi criado o Fundo Emergencial FICA, que ofereceu apoio a grupos, coletivos e organizações da sociedade civil com recursos para ações emergenciais, incluindo aquisição e distribuição de alimentos agroecológicos a pessoas em situação de vulnerabilidade no centro e nas periferias de São Paulo. Ao todo, o FICAemCasa apoiou 16 iniciativas em nove estados brasileiros, e beneficiou mais de 3.500 famílias de trabalhadores informais, imigrantes, indígenas e caiçaras, além de redes de mulheres e LGBTQIA+.